LILITH

O lado oculto que existe em cada um de nós! A libertação da alma. A afronta com os padrões prescritos.

quinta-feira, junho 11, 2009

Saúde Pública

Das três narrativas apresentadas no capítulo “O nascimento da medicina social”, na obra “Microfísica do Poder” de Foucault (1979); a que mais me chamou a atenção, mediante a percepção que tenho, não de um ideal de saúde pública, mas de como esta saúde pública é gerenciada no cotidiano da realidade que experiencio, é a da medicina social inglesa ou medicina dos pobres, da força de trabalho. Segue, portanto, uma síntese do que “foi” esta medicina em sua origem.
A medicina social inglesa tem seu início na segunda metade do século XIX, foi essencialmente uma medicina de controle da saúde e do corpo das classes mais pobres para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais ricas. Tem como precipitador o surgimento, no imaginário da classe burguesa, do pobre como um perigo sanitário. Isto se deve a três razões principais:

1º Razão política;
2º Criação de sistemas formais de trabalho que anteriormente eram exercidos pelos pobres e que agora os excluem;
3º A epidemia de cólera que centralizou na casse operária, plebéia os medos políticos e sanitários das classes ricas, levando à divisão do espaço urbano entre ricos e pobres.

Outro fato a se somar a estas razões é que foi na Inglaterra que o desenvolvimento industrial e em conseqüência, o crescimento do proletariado teve maior força, sendo o mais rápido e importante.
A partir desta preocupação com os pobres é criada a Lei dos Pobres que comportava uma assistência médica às classes proletárias, pobres, que, ao mesmo tempo em que assegurava sua saúde, controlava suas doenças, protegendo assim as classes ricas. A aplicação desta lei resultou na formação de um cordão sanitário entre os ricos e os pobres.
Esta lei foi posteriormente completada pelos sistemas de health service, de health officers, que tinham como funções:

- O controle da vacinação;
- A organização do registro das epidemias e de doenças propensas a se tornarem epidêmicas;
- e a localização de lugares insalubres e eventual destruição dos focos de insalubridade.

Estes sistemas tinham por objeto a população em geral, as medidas preventivas a serem tomadas, o espaço social, etc.
Uma conseqüência da criação destes sistemas foi o surgimento de resistências à medicalização, à medicina, desde as formas mais violentas, como algumas revoltas populares, às mais sutis, como se apoiar em crenças mais ou menos abandonadas em busca de uma cura.
Essa medicina, no entanto, possibilitou a coexistência de três sistemas médicos superpostos, o que não havia ocorrido até então. São eles:
- Medicina assistencial: destinada aos pobres.
- Medicina administrativa: vacinação, epidemias, etc.
- Medicina privada: destinada a quem pudesse pagar.



Na dinâmica social atual, brasileira e mais precisamente carioca, percebo exatamente esta divisão entre bairros ricos e bairros pobres, ou mesmo, dentro dos bairros ricos, a favela, como um local delimitado onde residem as classes sociais menos abastadas.
No campo da saúde pública há, mesmo que às vezes imperceptível essa divisão entre sistemas de assistência médica destinada aos “pobres”, uma medicina administrativa que se torna mais visível quando ressaltadas a Vigilância em Saúde e seus componentes, como a vigilância sanitária, epidemiológica e alimentar, e uma medicina privada que podemos atualmente caracterizar pela imensa proliferação dos planos privados de saúde.
Não que eu me oponha ao SUS ou que o perceba como essa medicina para os pobres, pois para mim o SUS previsto na lei 8.080 ainda está longe de se concretizar. Na verdade, percebo, em alguns pontos, cada vez mais nossa organização da saúde pública, na prática, se distanciar desse SUS, que algumas vezes me soa utópico.
O Sistema Único de Saúde promulgado pela referida lei, foi criado para atender a toda população, sendo por isto universal. Mas o que se vê na prática é um sistema que, apesar de amplo, não consegue penetrar entre todas as camadas sociais. E, nessa questão, como se pôde observar e debater durante as aulas iniciais de nossa especialização, muitos fatores estão envolvidos. Seria simplicidade falar que é por falta de qualidade, ou que porque, apesar de sua abrangência ser maior do que o sistema de saúde na época anterior à sua constituição, ainda esteja aquém do que a sociedade necessita.
Um fato paradoxal ocorrido foi a ampla adesão, de diversos setores do trabalho, ao plano de saúde privado, após a dissolução do INAMPS e dos serviços de saúde voltados especificamente para os servidores públicos, como o IASERJ no Estado do Rio, que passaram a integrar a rede de assistência do SUS. E isso se deu por reivindicação, em muitos casos, sindical, sendo esses mesmo sindicatos alguns dos atores sociais que participaram da luta pela concretização do SUS. Hoje até servidores públicos estão cobertos por planos de saúde privados subsidiados por seus contratadores, que no caso são os governos municipal, estadual e federal.
Na organização do sistema temos a vigilância sanitária, a vigilância epidemiológica e a vigilância alimentar como campos de ação importantes, tanto no planejamento de ações de saúde, como no controle da saúde da população, ainda como resquícios desse sistema de controle do corpo e da saúde visto na medicina social inglesa. Talvez esses sistemas sejam o que melhor funcionem dentro da ótica universal do SUS e os que abrangem a grande maioria da população, integrando tanto os indivíduos que acessam os serviços públicos quantos os que recorrem à medicina privada.
O plano de saúde privado, apesar da universalização proposta pelo SUS ganha força e no município do Rio de Janeiro cerca de 50% da população está filiada a esses planos. E dentro deles há uma hierarquização entre os que pouco podem pagar e aqueles que podem desembolsar uma média de R$500,00 por mês a cada vida contemplada pelo plano de saúde (Simulação feita no site da Unimed-Rio). E nessa hierarquização estão embutidas maior capacidade de escolha e maior exclusividade no atendimento para aqueles que mais podem pagar. O que vemos, então, é uma medicina privada que ganha força, muitas vezes até subsidiada pelo governo, numa lógica voltada mais para o mercado que para o compromisso com a sociedade.
A partir disso, não creio ser à toa que Foucault tenha afirmado o fato de, mesmo com o Plano Beveridge, que previa um sistema de proteção social universal a todos os cidadãos, e com os sistemas médicos dos países mais ricos e industrializados, “trata-se sempre de fazer funcionar esses três setores da medicina, mesmo que sejam articulados de maneiras diferentes”.


Referências:
Material e anotações das aulas do Bloco I da Especialização em Saúde Pública.
Foucault, Michel. O nascimento da medicina social. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal 1979. pag 79-98.